08 janeiro 2012

LEITURA: "Eu Matei Sherazade" - um livro sobre a realidade feminina árabe ou global??

Pois é...

Tem coisas que acontecem com a gente e parace o destino mesmo, estava em busca de um livro para começar este ano de 2012 com uma leitura intrigante e dentro da minha dinâmica complexa de ler o mundo, como o meu francês é nulo... não poderia ser o livro de uma das minhas bailarinas preferidas, a Dina (prefácio voce pode acessar no final do texto. 
Então resolvi buscar um livro de literatura árabe sobre a realidade feminina e eis que surge "Eu Matei Sherazade"...




Achei curioso, então resolvi buscar mais informações sobre o livro na internet, praticamente esgotado, na editora mesmo (Record) não tem, achei o meu nas Casas Bahia e chegou dia 7/jan, 3 dias antes do prazo, e eis que comecei a folheá-lo no mesmo dia enquanto arrumo as minhas malas para ir pela primeira vez ao meu evento sonhado, o Eilat Bellydance Festival em Eilat/Israel de outra bailarina que amo... Orit Maftsir.


Comecei a ler o livro e me sentir extremamente familiarizada com a linguagem de Joumana Haddad, a escritora, assim como com a sua argumentação que esta super dentro da minha realidade de estudo e pesquisa sobre realidade social, educação e direitos humanos: termos como sistema patriarcal, darwinismo, imaginário social e outros.

O livro surgiu de uma indignação durante uma entrevista pois sendo uma mulher libanesa, uma repórter ficou surpresa por ela ser altamente instruída, falar 7 idiomas, escrever contos eróticos e ter uma revista, chamada Jasad, que significa corpo em árabe.

É claro que houve uma generalização da repórter ao achar que por ser uma "mulher árabe"  ela estava além do que poderia, se baseando pela realidade feminina, mas esta realidade é só da mulher árabe? acho que não...

Existe uma problemática séria no mundo árabe, mas não sejamos hipócritas pois a nossa realidade "democrática" deixa muito a desejar e homens que acreditam que mulheres são objetos e que suas vidas lhe pertencem é uma realidade bem forte aqui.
Joumana é produto de uma realidade que em qualquer lugar do mundo seria receita certa de sucesso, família de recursos, instruída e como ela bem disse seu pai tem uma coleção de livros admirável, incluindo a literatura do Marques de Sade que ela leu ainda adolescente, quantas mulherem leem um livro dele mesmo adultas aqui no ocidente??? Então é fato que a sua realidade existe dentro de um mundo de possibilidades que outras mulheres no mundo árabe ou em países ocidentais não tem.

Como ela diz na introdução do livro nenhum homem a proíbe de fazer nada, ela dirige, tem uma vida ativíssima e não faz dança do ventre ou vive numa tenda, a questão da dança ficou só nisto, e morar numa tenda não é necessariamente questão de gosto, e sim uma realidade bem mais conectada à renda, e eu poderia dizer à ela, se tenda for sinônimo de lona e madeira catada na rua, o Brasil tem um monte e não é critério de liberdade feminina, mas a questão tem outro contexto, então passa...

Ela fala do processo esquizofrênico dos códigos de sobrevivências: falsas moralidades, os guardiões da castidade árabe, da honra e que em nome disto podem agredir, mutilar e matar.
Joumana chama aqueles que querem levar o Líbano e todo o mundo árabe à regressão absoluta de obscurantista e parasitas, e sua função primordial é "distorcer e esmagar tudo o que é livre, criativo ou belo e que escapou de sua hipocrisia e superficiladidade", pg. 17

Vimos no ano de 2011 uma realidade que torci muito para que acontecesse, não só nos países árabes como em países africanos, o fim de de regismes ditatoriais, a povo indo às ruas lutando por liberdade, as mulheres querendo a dupla liberdade, a de seu povo e a sua própria como indivíduo. Esta onda começou e devemos torcer para que continue cada vez mais forte.

Há uma grande ênfase política nos problemas que Joumana cita existir no mundo árabe como totalitarismo, corrupção, favoritismo, desemprego, pobreza, discriminação de classe, sexismo, analfabetismo, extremismo religioso, homofobia, misognia, poligamia, fraude financeira, vazio existencial, falta de sentido na vida, a parcialidade do ocidente, hostilidade estrangeira.

Posso dizer à Joumana, mas acredito que ela já sabe que de tudo acima só o totalitarismo vai ter fim, de certa forma numa realidade democrática e a poligamia, pois segundo os códigos e leis ocidentais que devem responder à ONU se quiserem ficar "bem na fita", mas de todo o resto temos no ocidente e a luta é incessante, um misto de sentimentos nos engloba todos os dias, e as pessoas...bem, as pessoas vão continuar sendo o que são, buscantes de um regime onde os direitos devem ser uma realidade, ou viventes dos jeitinhos, nepotismo, etc.

E voltando à realidade feminina da mulher árabe que está no final da lista de seres, sequer é humano, e sim objeto, é uma realidade árabe e no mundo ocidental está ficando assustadoramente banal matar ulheres que dizem NÃO a um homem, que derem dar fim à relações de agressão e humilhação, e infelizmente o outro lado também, pois em todos os grupos que sofrem discriminação, racismo, xenofobia, homofobia, etc. tem aqueles que vestem o papel do algoz para serem "aceitos" ou poupados, ou assumem um papel de controle na vida dos seus iguais, neste ponto Joumana dar destaque ao papel de mulheres denunciando mulheres, o ápice do controle mental e da desconexão com a sua igual.

Esta é uma realidade no mundo árabe, o controle mental onde uma mulher denuncia a outra por estudar, gostar de alguém fora do grupo, reclamar do marido agressor, querer uma vida livre, etc.  Me lembro de uma história que li sobre um grupo de jovens que marcou uma festa de aniversário, e neste país árabe de discurso semi-aberto as jovens até usavam calças, mas sempre com o lenço na cabeça, e um dos colegas acreditava que não tinha sido convidado, resultado: ligou para a polícia de costumes e informou que na festa bebiam e estavam sem o véu, por óbvio a polícia foi até lá e levou todos para a prisão e as jovens foram chicoteadas, e em resposta a isto, a jovem aniversariante resolveu estudar para dar fim ao regime onde ela não poderia ser ela, somente mais um indivíduo parte da massa controlável.
Sei que esta história é verdadeira pois na época estava lendo um livro da Anistia  Internacional sobre a vida de 14 mulheres em todo o mundo lutando por liberdade, das mais variadas formas possíveis, mais um livro que entrou de repente na minha vida e me mostrou a força do indivíduo contra um grupo pela liberdade, ao custo da sua vida, se necessário.






Mulheres Livres: 14 histórias de luta e resistência ao redor do mundo


Outra questão que Joumana coloca é a questão do vazio pessoal que ocorre quando se é refém de um discurso de massa, totalizante, onde a sua opinião, gostar, acreditar, sentir diferente vira um tipo de culpa, erro, mas este debate fica para depois, pois o ocidente tem muito disto, de um âmbito diferente e até mais eficiente, pois o inimigo é invisível, não há diretamente a quem culpar. Mas este item fica para depois...

Agora vou para o capítulo 1 - Uma Mulher árabe lê o Marques de Sade.



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