17 setembro 2014

Do mal ao pior que poderia imaginar...






Ontem foi a constatação do horror diante do prelúdio da chamada televisiva de "Sexo e as Negas", no qual uma voz masculina e num tom estranho dizia o nome do programa. Até aí não tinha lido as críticas ao programa antes de assistir, não vi mesmo, mas sei lá... Um sentimento de pânico já tomava conta, queria muito que fosse só uma sensação e que ao ver o programa conseguiria ver algo decente, não precisava ser tudo certo, a realidade não é assim, as pessoas idem, mas ontem foi tudo errado demais. O programa é um lata de estereótipos.

Pra quem está pegando o bonde andando vou explicar, o Miguel Falabella é o autor e idealizador do encaminhamento da série, que supostamente é uma paródia e seria de certo modo cômica como "Sex and the City", um grande sucesso americano que falava do universo feminino pelos olhos de quatros mulheres em Nova Iorque. Até aí tudo bem, mas o que eu vi ontem não tinha nada a ver com a série, nada a ver com mulheres lutando por suas vidas, construindo seus caminhos, nada a ver com nada, a não ser o bom e velho racismo.


Tem gente que acha que ser racista é esbravejar por aí - Odeio negros!!!! - não consigo imaginar maior engano, o racismo brasileiro é bem mais sutil e eficiente, ele é cordial, o racista acha normal te descrever ou te tratar de forma diferenciada, modo este que ele não propicia a um branco/branca, e nada mais triste que um negro/negra que acredita que não há nada demais nisso. E aqui vale a expressão popular: uma vez ok, duas vezes opa!, três, agora não!!!
Padrão é aquilo que se repete e demonstra ter um vinculo, no caso de pessoas que gostamos ou não gostamos ao identificar um padrão, seja ele de similaridades ou diferenças, não temos em nossos circulos de amizades pessoas exatamente iguais a nós, a diferença também é um atrativo, um diferencial que faz com que nos sintamos conectado a algo novo, uma visão diferente. Não estou dado uma aula de psicologia, só demonstro que os anos e $$$ que meus pais enfiaram na minha educação e os que eu joguei também no meu estudo me permitem hoje ir além do visto, ler as entrelinhas e encontrar um padrão, e aqui cabe o - Penso, logo existo...

O autor, Falabella se diz fã de "Sexo e a Cidade", mas aqui eu já começo a ver que ele não pode estar falando do mesmo programa que eu vi, não, não está e posso provar, assistam aos episódios da primeira temporada online da séria legendada aqui e me digam nos comentários se vocês viram algo parecido com o programa citado, mas antes leiam o resto do texto e comecem a tirar as suas próprias conclusões sobre o primeiro episódio de "Sexo e as Negas".




                             Para a propaganda desaparecer, assista em "tela cheia"


Primeiramente, não há problema algum nas profissões das personagens do mal produzido - roteirizado - executado programa global, o errado está no que ele nos apresenta,  uma delas é empregada doméstica e na cena quando ela espera o pagamento, o "peguete" da mulher fica se exibindo e ela olhando pra ele fazendo caras e bocas de "eu pegava", e depois tem a vingança dela - oi?, onde? - transando com o cara que maltratou elas numa loja de carros, daí ela vai até lá, entrega uma cueca e fala que o cara tem o etc. pequeno??!! Sério gente, imagina o processo, se você fosse homem me diz, onde você viu a vingança, depois de todos os caras e bocas dela dentro do carro??!!! Ahhhh, para!!!!

Outra amiga trabalha no teatro e uma das atrizes ao sair com o segundo "pagante de presentes" dela pede à Zulma para ficar com a pulseira, pois nela só pode ser bijuteria (hummm... hiperventilando agora...). Pois bem, me explica porque a tal atriz não guardou a jóia na bolsa dela? sério? E depois ela transa com o sujeito no teatro, local de trabalho, local onde ela almeja crescer profissionalmente ou pelo menos ser respeitada (??!!) e o negócio é tão bom que a pulseira cai, ela não percebe e o cara sim?? E depois transa novamente com o sujeito pra agradecer??!!! (xinguei um monte agora e ontem quando vi...), e o Obrigado - palavra que não vem acompanhada de sexo, nunca!

A outra amiga trabalha num restaurante, criou a filha sozinha e a tal filha filha já com uns 20 anos aceita dinheiro do pai bicheiro (no decorrer do tempo virou bicheiro...). Só este momento rendia um episódio inteiro, bom, de qualidade que o Sr. Falabella perdeu, a começar por uma menina que vive na realidade do bicho, então por mais que goste do pai, a distância é necessária, pois morando no mesmo lugar ela vira um alvo dos inimigos dele. Como ela pega um dinheiro de bicho? E o esforço da mãe dela? E a mãe, não briga com ela e devolve o dinheiro, deixa com a filha? E ainda tem o detalhe, quem já teve vizinho encrenqueiro que controla até as peladas em que os filhos estão sabe que as crianças se afastam porque tudo vira confusão e com um pai bicheiro, tudo só piora, e pelo que vi do próximo episódio, a garota é uma tristeza, outro personagem jogado no lixo, sem futuro, sem interesses, sem crescimento algum para apresentar...
 

E não poderia esquecer a cena do restaurante onde o cliente chama ela de morena e pede um bife bem passado, preto e ela em resposta chama um garçom negro e pergunta se está do agrado??!! O garçom negro virou bife! Ahhh não!!! Gente isto é profissional?! Se ela percebe o ruim de ser chamada de morena e sabendo como é difícil provar racismo que vira um mal entendido, então ela deveria pedir ao cliente para identificá-la pelo nome, pois caracterizações por cores podem e vão impedir o seu pedido de chegar, pois não faz parte do padrão do lugar este tipo de "palavreado de identificação de cor" e que o pedido dele será anotado por um garçom, que como ele pode ver está devidamente caracterizado, saia e deixava ele com a cara no chão. Ele ia fazer o que? dizer que ela deveria ter ficado agradecida por ter sido chamada de morena? ele ia dizer alguma coisa? não...

E as roupas delas, nada interessantes, dificilmente alguém vai mandar e-mail para a globo pedindo o nome da loja ou vamos ver aquelas roupas numa revista. Cadê a moda da periferia??? Não era para chamar o pessoal das favelas que estão ocupando espaços da moda fashion e popular para compor o figurino delas??? A personagem empregada doméstica parecia vestida de Julia Roberts em "Uma Linda Mulher", mas na versão prostituta, incrível...

E a história do jogo do bicho??!! Se não quer contato com o ex, sobe o morro para ele liberar um jogo de 500 reais??!!! Onde fica a moral com a filha numa hora destas se sobe o morro pra pedir favor? Oi, sério mesmo?? Não tinha outra forma delas conseguirem o carro, uma delas não poderia comprar e ir pagando. E carro usado em ferro velho? Ninguém merece... Achei um Fiat Marea 1999, 92 mil km rodados por 11mil, carro usado à venda em loja de carros usados, mas junto com o carro vem tudo o que se paga, quem não leva de 2 e 4 anos pagando, outro episódio da dureza de se adquirir um bem trabalhando, duro desperdiçado.A quarta amiga que busca um emprego eu perdi a história dela, então não tenho muito o que dizer e pra ver o episódio no site da globo tem que ter e-mail deles, então não vou assistir este trecho para esclarecimento.

Em Sex and the City, a narração é feminina, do personagem da Sarah Jessica Parker é colunista num jornal, o nome da série é o nome da coluna. No primeiro episódio você tem uma narração geral sobre as mulheres, pensamentos e nenhuma cena de sexo explícito, no decorrer da série tem, mas tudo tá conectado a algo interessante de se ver e problematiza para o engraçado ou trágico. Na versão global desperdiçada pelo Falabella, a gente tem a voz dele, não se vê ou sente um debate realmente interessante das personagens, nem entre elas e nem delas com a gente, o telespectador. Nenhuma contextualização geral da vida delas feita por elas pra gente, negras, periferia, almejando um lugar ao sol. E sendo uma periferia, cadê as rádios comunitárias? Não poderia a voz feminina sair de uma, pro bar da Gimenez??!! Perdeu-se outro gancho realmente ímpar.

Se eu tivesse que imaginar uma fala de abertura saindo por exemplo de uma rádio comunitária, seria assim...

"E aí homens e mulheres, Bom Dia! Meu dia tá começando agora, mas quantas de vocês já não estavam na rua pra garantir o pão enquanto eu ainda estava dormindo? Gente guerreira  que pega trem, ônibus, aguenta um dia inteiro de trabalho árduo, gente mal educada, mas tem garra, coloca um sorriso no rosto e luta pelo seu lugar ao sol.
Ao mulherio que luta 2x mais pra ser valorizada, meus parabéns! E mais um Bom Dia! De quantas poucas e boas a gente tem que sobressair sem deixar a peteca cair, às vezes da vontade de gritar já na condução com um engraçadinho te encostando - com este aí pode gritar sim!! Senta a bolsa! - mas no dia-a-dia é mais difícil, a gente tem que engolir sapo, sair de situações difíceis com desenvoltura e muitas vezes ver o nosso trabalho árduo e superior ser desconsiderado por sermos mulheres. Volta pra casa, cansada e tem mais, mas deveria? Cadê a parceria? E se não tem parceiro, aí não tem jeito, é nós e pronto! Mas a vida não é só feita de agruras, tem os momentos bons, a pura diversão, o reconhecimento de quem te recebe lá da janela, de olho no teu horário pra garantir o teu bem estar, o amor, a amizade, o brinde das amigas... E assim a gente segue a vida, mais um dia e mais um dia pra gente chegar lá, não desiste não amiga ouvinte, pois isso aqui é Brasil."


Queria ter visto uma outra série ontem, queria que a minha tv tivesse sintonizado um mundo paralelo onde a série de ontem tivesse sido espetacular, queria muito saber se esta série passou por um "teste de qualidade", onde se escolhe um público de amostragem e se apresenta o produto, série é produto, mas duvido muito, pois se tivesse passado teríamos visto outra coisa, o Falabella pode ter vindo da periferia e apresentado muita coisa nesta área de sucesso, mas o "Sexo e as Negas" definitivamente é o seu pior trabalho, e só me apresentou a visão medonha e triste dele quanto às mulheres negras. O que será que as mulheres negras com quem ele conviveu pensaram ao ver a série ontem???

Ah sim, esqueci de falar da tentativa de defesa usando o Spike Lee, um cara de pau o Sr. Falabella, nem vou pedir para verem "Faça a Coisa Certa" ou "Malcom X", vou pedir para que vejam "O Plano Perfeito" que gira em torno de um banqueiro que vendeu judeus no Holocausto e me contem nos comentários, como ele ousa se comparar ao Spike Lee?

Encher uma tela de negros não é a solução, o que queremos é qualidade, igualdade de acesso e ocupação de espaço. Quantos negros tinham na série ontem que nunca foram usados em novelas da globo???!!! Não tem ator e atriz negra o suficiente??!! Para com isso... Engraçado, aprendi na faculdade que devo provar ou apresentar meus argumentos, apresentar o padrão, pensar além e ler nas entrelinhas, mas aí a gente lê, constrói um pensamento e é "racista ao contrário"? Mas nem vou entrar no contexto disto, pois é gastar energia com quem não pensa ou argumenta, pois se pensasse saberia que desde a cor vermelha/amarela da lanchonete ao tipo de comercial de carro que assiste é feito para prender a sua atenção e criar a "vontade", o "sonho" .
Queremos a mesma energia gasta para a criação de um enredo comum, mas majoritariamente branco, a novela Império é um exemplo branco com um negro e tá tudo bem... Aí ninguém fala nada e se a gente reclama do tipo de programa que nos destinam e querem que a gente engula, então não tá satisfeito, mas tem negro, já não deveria estar feliz? 


Não, seu racista cordial, Não!!!!!


1 comentários:

Unknown disse...

Muito bom esse texto!

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