Eu sei,
talvez eu queira muito acreditar que certas coisas poderiam não acontecer,
acreditar naquela balela do "em pleno século XXI", mas aí vc liga a
TV e lembra que a humanidade adulta é mais infantil do que aparenta, constrói o
sofrimento de vários pra depois ir lá e falar "tamo junto!"
Minha mãe
ligou a TV e caiu direto no programa da Ana Maria Braga (ontem ela dormiu no
Jô) que hj falou sobre tom de voz, que mulheres tem tom até 249 hertz e homens
acima de
250hz. Que
empresários e chefes são escolhidos por sua voz, seu timbre, pois a liderança
tem muito a ver com isto - "gosto muito de vc leãozinho..."
- o programa baseou-se numa pesquisa nos EUA (critérios???!!!), daí
começou o discurso que homens em geral c/ voz abaixo de 250 tinha voz de mulher
(Ops...).
Daí chamou o
Anderson Silva que segundo julgamento dela é o "voz de mulherzinha que deu
certo!" e o seu repórter "homão" que no teste ficou, pasmem,
abaixo dos 250hz, ou seja, o repórter que ela escolheu baseado no físico pras
telespectadoras se ligarem nela também ficou no nível de "voz de
mulherzinha", xiiiiiii.
Daí
continuou um debate com a fonoaudióloga falando quais seriam os problemas de
uma voz masculina, de exercício, passando por testosterona e finalizando na
cirurgia. (Ahn?)
Daí a fono
fez alguns testes e exames físicos no Anderson Silva e ele não tem problemas, a
não ser a tal voz, que segundo critérios "XYZbuuuuu" é o
seu defeito.
E daí se
estendeu por mais 10 minutos a baboseira, mas vamos ao que interessa...
A doença
subjetiva do auto conserto, que é dar fim em voce ao que não é aceito pela
sociedade, mesmo que voce não saiba exatamente que sociedade é esta, pois o
problema da autoestima é diluído numa imensidão de falas tortas, programas,
propagandas e indicações do que voce deve consertar em si mesmo para que pare
de sofrer e possa alcançar o céu dos incluídos.
O conserto é
pra tudo: cabelo, nariz, rosto, peito, bunda, capa e revista, etc. e agora a
voz, SIM, a fono do programa disse que em alguns níveis voce pode consertar a
sua voz, no caso a masculina p/ corrigir a altura do gogó e ficar com a voz
grave, (eita!)
Eu fiquei
pensando enquanto assistia a todo aquele desfile de ignorância diante da
TV adolescentes, rapazes e homens sofrendo um ataque subjetivo quanto à
sua voz, como se a sua construção como homem para além do sexo biológico se
esvaísse por ele não ter a tal "voz de macho".
Imagino
quantos adolescentes hoje e por alguns dias a frente vão sofrer com as
piadinhas (e meninas tb!) sobre sua voz, pois quem liga pro ser humano, o
negócio de RUGIR mais alto, agir em bando como algozes em volta da presa, mas
no mundo animal isto acontece por necessidade específica de alimentação e
proteção, todos os fazem em algum nível, até as formigas. Mas o ser humano se
junta em bandos sobre uma pessoa, homem ou mulher para produzir dor, pelo
prazer de coagir, causar sofrimento, nada mais desumano.
Quantos
homens que sofrem com a discriminação e a ignorância viram aquela reportagem e
vão correr pra um cirurgião pra se "consertar"? Assim como as
mulheres já correm aos montes e morrem aos montes também para se
"consertarem" e se livrarem do "bicho subjetivo" que corrói
a sua alma??
Estou lendo
o livro da Nawal El Saadawi - A Face Oculta de Eva - e o livro mostra a
doença subjetiva por qual todas nós passamos em algum nível, do mínimo ao
extremo, do sazonal ao constante, da Antártica à Antártida, alguns se livram
pelo instinto de sobrevivência e questionamento sobre que "status" se
devem alcançar, pra alguns só morrendo pra agradar, e aí quem para e pensa...
mas aí tem outra questão, até pra ter este breve sopro de "por que?"
há de se ter um certo nível de liberdade, e onde isto não existe desde a tenra
idade, o que fazer? nunca ouviu um destoante, e mesmo que ouça, pra onde no
final do dia voltamos? pra casa, pro grupo, e aí?
Mas se calar
é pior, precisamos resistir, reclamar e ir contra, ser a voz destoante e firme
e resistente sem controle de timbre a todo o absurdo que o ser humano por
dinheiro ou ignorância é capaz de produzir consciente ou não, debater e
apresentar uma nova realidade é preciso sempre.
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